– Pô, a tua bunda é muito linda, vizinha.
– Como?
– A tua bunda é muito linda, vizinha.
– Mas como?
– Não sei como, vizinha, mas ela deixa-me abstrato.
– Eu tenho nome, vizinho.
– O lixeiro passou agora: levou um monte de garrafas pet, alguns acontecimentos, uma porrada de lixo orgânico, mais um monte de vidros estilhaçados, poderes podres, papéis, escaninhos, escarros, constipações... e a tua bunda linda ainda ficou aí.
– Mas, vizinho, eu tenho nome. A minha mãe não tá muito legal.
– O que é que ela tem?
– Um AVC, um ECG, um DNA, não sei.
– A tua bunda continua linda, minha queridíssima vizinha.
– Meu vizinho, ainda vou à Igreja.
– Fui lá na esquina agora; tocavam um som...
– Forró?
– Parece que era.
– Forró é bonito, mas só se for o de pé de serra.
– Vamos para o interior?
– De onde, vizinho?
– Tiradentes, Caruaru, Amsterdã, Katmandu, Luanda, Havana, Corumbá, Xapuri...
– Para, vizinho! Mas é longe...
– Ouço o odor de tua bunda linda todos os dias e não acho longe. Duvido de minha masculinidade. As minhas responsabilidades foram-se.
– Aí, cara, vizinho, tô meio perdida...
– Vamos comer um pastel de palmito e tomar um caldo de cana... e... depois observarei a tua bunda linda.
– Vizinho!...
– Vamos ler uns livros, corromper o Universo, apaixonarmo-nos por Narciso e crer nos guardiões do céu.
– Vizinho!...
– Vamos tomar um gole de cachaça. Comer um ovo cozido pintado, redesenhado e redistribuído? É que alguém me pediu para comprar um pato e me deu um real. Será que dá, vizinha?
– Vizinho, além de eu já ter dito que tenho nome, vou te dizer que não sei. Mas pra que o pato?
– É que alguém já tem uma pata; agora, quer um pato. Detalhe: a pata não tem uma bunda tão linda quanto a tua.
– Ah, entendi.
– Mas, vem cá, vamos ao zoológico dar pipocas aos macacos?
– E o Raul?
– Podemos, então, acordarmos metamorfoseados?
– E o Franz?
– Querida vizinha de linda bunda, poderíamos, ao menos, sair dando porrada em adolescentes, estuprarmos algumas burguesas ou ficarmos apenas doidões?
– E o Stanley?
– Vizinha, vamos ao Maracanã ver um Fla-Flu, um Ba-Vi, um Gre-nal, um Atle-tiba, um San-São.
– Não gosto de futebol.
– E um Mogi-Mirim e Matsubara? Com a tua bunda linda, faríamos o maior sucesso.
– Vizinho, não teima, pois o meu dengo é muito relativo.
– Vamos, então, ao Observatório, ao Municipal, ao Bola Sete, ao Bola Preta, ao Sambódromo, ao Circo Voador...
– Vizinho, minha ciência, minhas artes, meu corpo, meus confetes, meu abre-alas e meu nariz estão indômitos, mas...
– Amabilíssima vizinha, temos alguma coisa em comum: tua bunda é linda, meu corpo é um estorvo; você gosta de poemas épicos, eu de Modesty Blaise; encontramo-nos quase sempre no mesmo pub, mas eu para beber e você para sacanear as almas psicografadas dos bêbados itinerantes; bebo vinho à noite e você somente toma um chá quando tua linda bunda permite; estou pavoroso, você deprimida; e temos tudo a perder se consolidarmos nossos mais escrotos instintos.
– Vulgaríssimo vizinho, vamos que minha bunda linda já esperneia.
Seu Paulinho chega, interrompe aquele coito, arrefece aqueles ânimos e apedreja: “Saia já desta bunda linda!”
O dono do estado pavoroso e a dona da imensa depressão estão em transe. Aí, a bunda linda reage:
- Pum!
ah esta bunda a ocultar inteligências, negligências e sonhos de desejos vicerais! " Ouço o odor de tua bunda linda todos os dias e não acho longe. Duvido de minha masculinidade. As minhas responsabilidades foram-se..." CRU! abs!
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