domingo, 8 de abril de 2012

MENAGE

MENAGE

quando eu escrevo isto
sinto-me preso em uma ogiva nuclear
e sem forças, sem artes
hipersensível, sem roupas, hipocondríaco
e toxicômano e claustrofóbico
e um homo-sapíens desajeitado


A GÊNESE

I

tal qual três pessoas incógnitas e ingênuas
difíceis de encontrar
encontraram-se
por acaso
em um quiosque
ou em uma quermesse
ou no limiar de um convento
ou numa zona mimosa

tal qual três amigos burros
muitíssimo fáceis de encontrar
esbarraram-se
numa coincidência tímida
em um canto porco de uma timbaca
ou lendo a mão de alguns ciganos
ou em uma mesquita
ou no emplastro de seus sexos

tal qual três indivíduos indecentes
maquiados ao se encontrarem
embriagaram-se
alegres e probos
nos inferninhos da Praça Mauá
ou nas repúblicas de Ouro Preto
ou revendo a delinquencia dos Anjos de Miquelangelo
ou afogando-se nas cachoeiras da Mantiqueira

II

que rabo ela tem
que rabo ele tem
que rabo eles têm

desabafos e obituários
amenidades e fofocas
folclóricos derramamentos de incontáveis acontecimentos nunca acontecidos

a primeira menstruação
o primeiro olhar de soslaio para a irmã mais bonitinha
o primeiro soco no olho
os primeiros quebrantos sexuais
os primeiros sibilos nos órgãos genitais
as inexatas exatidões de complexos adquiridos
o mesmo manto inexorável cobrindo seus focinhos
as mesmas burrices

a alquimia
a overdose
a cirrose
a tuberculose falida dos poetas malditos
os aneurismas, os cataclismas
os cismas das praias nudistas
os astronautas que burlaram o tesão dos faraós
as mesmas idiossincrasias e ver

flácido – ainda – o pênis
seca – ainda – a buceta
temente – ainda – a outra buceta

III

- Não tenho medos
- Não tenho receios
- Não tenho apreensões

um olha a boca da outra
uma abocanha o olho do outro
um e outra eletrocutam os lábios de uma outra
umas observam com gentileza e maldade cristã
a boca, os piercengs, os brincos, a ingratidão dos mamilos
a imaturidade
do outro
todos apreciam as ecumênicas cinzas das Amys
todos gozam com o palavreado fervoroso de Lirinha
um especula com gentileza e maldade cristã
a gravidade e a graciosidade das sardas, das tatuagens, dos marqueteiros mamilos
a imaturidade
das outras
Chico Science embola-se na praieira do caos e da lama
um outro Chico ainda brinca com palavras de mulher
um prefere o bafo de jasmim ou de sei-lá-o-quê
das outras
ou dele mesmo

eles batucam no violão ou pandeiro bandido
na mesa de mármore surreal
alguns sambinhas
alguns rocks
algumas ladainhas
músicas do sertão, ou de New Orleans
das cordilheiras chilenas
ou das tacanhas plagas das Minas Geraes

eles não são o que vocês pensam

IV

agora ouvem chorinho, polca, blues, fado, tango
ou músicas imperceptíveis de algum país não ocidental
lêem clássicos, cordel, gibis, poemas
devoram os sábios escritores não pragmáticos
tomam absinto, tequila, saquê
recolhem a insensatez do sexo conjugal e a incineram
cheiram rosas, narizes, trompas
deixam seus sexos fluírem e federem naturalmente

carpiam os parentes distantes e indiferentes, os namorados de paus imensos,
as meninas de seios famintos, as moças e os rapazes...

eles resvalam nos antepassados dúbios, nos hierárquicos tabus dos comparsas de mesas sujas, nos clitóris que pareciam clítoris, nas camisinhas que pareciam preservativos...

V

- Vamos pra Santa Teresa?
- Vamos pra Vila?
- Vamos pra Parati?

deixam suas casas, suas alcovas
deixam seus afazeres imodestos
deixam seus analistas, seus suseranos
deixam as margueritas para trás, os bolinhos de bacalhau, os tapués com cuzcuz

e saem os três
com seu escroto chapado e benzido
com sua vagina alcoólatra e abençoada
com sua vulva trincada e benta

e o mundo repete um grito de euforia e desfaçatez


O EVANGELHO

I

tiveram mulheres salientes

tiveram homens salientes

plantaram chuchus
colheram cogumelos

plantaram-se
resguardaram-se

vermes passearam por seus incalculáveis desgostos
as fadas brindaram seus experimentais sucessos
fodam-se

as cores da bunda do mundo com seus flashbacks
os carnavais da bunda do mundo com seus pierrôs
fodam-se

algumas pessoas quaisquer
os espreitariam, ou roubariam, ou locariam
ainda mais uns sujeitos destes, sem culpas

II

ele: que lugar maravilhoso e que me dá tesão
ela: quero um gole de frescor e de tesão
ela: tenho algo para os dois

desqualificado – ainda – o pênis
assim-assim – ainda – a buceta
predestinada – ainda – a outra buceta

viram murais, mosquitos,
macondos, traças,
tempos modernos, fungos,
sorriram-se e entristeceram-se como se fossem um Yamandu,
ou um Piazzola,
um Tchaikovski

tatearam-se com seus corpos esquisitos
falaram mal do sistema, do amor, da morte, das odes,
da discrição de uma ressurreição monumental e orgástica,
falaram deles

correram a barca

os canalhas do kama sutra não imaginavam o que estava para acontecer

III

as mulheres – ativas – despem-se
o homem – inibido – mostra-se
as mulheres, empolgadas... aliviam-se
o homem, empolgado... alivia-se

são tantas as carnes
são tantos os vapores
são tantas mãos que divertem-se
são tantas bucetas entrelaçadas
são tantos dedos e pênis emaranhados

mais pessoas sentiam cócegas
nos polegares
no dorso
nas ovulações
mais pessoas e pênis e bundas se conheciam

são animais à frente de seus parceiros
imaginavam bem os ininteligíveis paladares
de seus eunucos ou concubinas
e se observavam e se crismavam e se alisavam
e todos sorriam

agarravam-se, flertavam-se, beijavam-se
até amavam-se
seguravam a parte mais próxima de um deles
e gostavam de estarem amando-se
e todos sorriam

os três

IV

o mundo estava predisposto a morrer
ao menos, desfalecer momentaneamente
num golo só
sem arbitrariedades
sem o confuso interlóquio com o Senhor
sem as rodadas de bridge

os três calcificam-se

nas corridas de cães esqueléticos na Somália
nas costas dos labradores em algum ponto mais esquecido do Himalaia
na suavidade brejeira e suicida de Estocolmo
no varejo opulento dos cartéis de Cáli ou de Medellín
nas secas seculares dos sertões de Padim Ciço e do Conselheiro
nas estratégias ridículas dos neros, napoleões, stalins, hitleres, pinochets, bushs

os três receptam-se

nas outonais primaveras de um mundo perdido
os homens delimitam suas áreas de fazer xixi
o lixo atômico incomensurável
serve de pretexto para as orgias dos calígulas
mas eles só querem o prazer lúdico
e o deleite único dos velhos caciques incas

os três lavam-se

as mãos que desabotoaram exploram
o pau que se envergonhou muito cresceu demais
as bucetas, as calcinhas, os óculos, os estrogênios
devoram-se e se crispam
as mulheres parecem o homem
o homem assemelha-se às mulheres

os três masturbam-se

V

os três aparentam cansaço
ou embolia
ou câncer, transtorno, enfisema, depressão, distúrbios cardíacos, medo
menopausa, insensatez, andropausa, infanticídio, cancro, desgosto
os três se orientam por uma bússola sem norte
e sexualizam o temor sexual dos outros

os três engolem suas línguas
chupam-se
procuram adornos, orifícios, membro, saliva, estorno, gosto, olor, cílios, pentelhos
procuram amor, esquisitices, loucura, rubores, temores, segredos, versos, carinhos
procuram a madrugada febril
percebem a madrugada elétrica
veem a madrugada descomunal
fingem pra madrugada vil
despercebem a madrugada atroz

potente – agora – o pênis
umedecida – agora – a buceta
encarnada – agora – a outra buceta

os quaquilhões do Tio Patinhas
vão-se à merda
o centavo ínfimo do mendicante
vai-se à merda
a buceta careca da prostituta porno-star
vai-se ao caralho
o pau para-sempre-duro do andróide porno-star
vai-se ao caralho

aqueles beijos indecisos
na cintura, no reto, nas sobrancelhas, na glande, no pescoço
nas calcinhas molhadas ou na cueca mijada
aqueles gozos múltiplos, infinitos
inexplicáveis, incontroláveis, diáfanos
aqueles suores nas coxas
benditos, purificados, sacros, absolvidos

desgraçado – perene – o corpo
lubrificado – perene – o sexo
inclassificável – perene – o coito


O APOCALIPSE

I

deu nó
o sexo virou brutalidade
o amor virou banalidade

a brisa malemolente
foge com angústia daquele local luxurioso
do caminho de pedras para a melancolia

as cristaleiras estilhaçaram-se
o sexo ficou virulento e puto
o amor também

as três majestades sensuais
concordam em embaçar o céu de prazeres
com seus diluídos gozos infernais

plúmbeo é o sabor de uma buceta molhadíssima
plúmbea é a chicotada daquela buceta querente
plúmbeo é o sabor de um pau envergadíssimo
imundo é o mundo de desmandos abstratos

tivemos duas mulheres ousadas e ardilosas
tivemos um homem ousado e ardiloso

II

mas que todos flertaram beligerantemente
mas que todos trocaram suas peças íntimas
mas que um deles pranteou lacrimoso no ânus de um outro deles
mas que um deles descabaçou a libido de um outro deles
mas que um deles deflorou uma região sensorial de um outro deles

mas que por todos eles eu chorei

mas que todos eles
diluíram Satanás
e Deus riu muito
e Deus, respeitosamente, gargalhou muitíssimo

num estopim deflagrado há séculos atrás
roubaram a santidade e a ignorância
de minúsculos saberes
de minúsculos prazeres

e por muito menos queriam roubar seus cantos e prantos

mas todos se fizeram animais
e padeceram

querem virar mártires
e nem sabem o porquê
ou o do quê

III

cansado – por demais – o pênis
dispersa – mas ainda ávida – a buceta
bruxuleante – mas ainda saborosa – a outra buceta

irritados ficam os algozes desta ladainha
e dizimam toda esta confraria
mas
os doutos desvairados, os tolos, os desavergonhados, os puros, os ímpios,
os coroinhas de nádegas sujas...
as madames, as sem porra nenhuma, as fidalgas, as escravas, as madonas,
as sandalinhas de lágrimas lindas...
não vão me criticar nesta louvação
quando deixo meu dízimo, minha locução, meu testemunho
meu assaz descontrole incontrolável
mas que me acho coerente e estúpido

IV

é que o povo é anormal
é underground
reza no inferno nojento
e queima as sandálias de Cristo
e fede muito

e como aquele menino
e aquelas duas meninas
desejam
ser crucificados e dilacerados
enforcados e decapitados!

e mentem

e rugem

e ardem

e incendeiam-se

e mandam todo mundo tomar no cu

mas eles livram-se do livramento

e morrem numa sarjeta indecente
com as pálpebras marejadas
o volume peniano distorcido
ou as suntuosas cabeleiras vaginais corroídas