domingo, 8 de abril de 2012

MENAGE

MENAGE

quando eu escrevo isto
sinto-me preso em uma ogiva nuclear
e sem forças, sem artes
hipersensível, sem roupas, hipocondríaco
e toxicômano e claustrofóbico
e um homo-sapíens desajeitado


A GÊNESE

I

tal qual três pessoas incógnitas e ingênuas
difíceis de encontrar
encontraram-se
por acaso
em um quiosque
ou em uma quermesse
ou no limiar de um convento
ou numa zona mimosa

tal qual três amigos burros
muitíssimo fáceis de encontrar
esbarraram-se
numa coincidência tímida
em um canto porco de uma timbaca
ou lendo a mão de alguns ciganos
ou em uma mesquita
ou no emplastro de seus sexos

tal qual três indivíduos indecentes
maquiados ao se encontrarem
embriagaram-se
alegres e probos
nos inferninhos da Praça Mauá
ou nas repúblicas de Ouro Preto
ou revendo a delinquencia dos Anjos de Miquelangelo
ou afogando-se nas cachoeiras da Mantiqueira

II

que rabo ela tem
que rabo ele tem
que rabo eles têm

desabafos e obituários
amenidades e fofocas
folclóricos derramamentos de incontáveis acontecimentos nunca acontecidos

a primeira menstruação
o primeiro olhar de soslaio para a irmã mais bonitinha
o primeiro soco no olho
os primeiros quebrantos sexuais
os primeiros sibilos nos órgãos genitais
as inexatas exatidões de complexos adquiridos
o mesmo manto inexorável cobrindo seus focinhos
as mesmas burrices

a alquimia
a overdose
a cirrose
a tuberculose falida dos poetas malditos
os aneurismas, os cataclismas
os cismas das praias nudistas
os astronautas que burlaram o tesão dos faraós
as mesmas idiossincrasias e ver

flácido – ainda – o pênis
seca – ainda – a buceta
temente – ainda – a outra buceta

III

- Não tenho medos
- Não tenho receios
- Não tenho apreensões

um olha a boca da outra
uma abocanha o olho do outro
um e outra eletrocutam os lábios de uma outra
umas observam com gentileza e maldade cristã
a boca, os piercengs, os brincos, a ingratidão dos mamilos
a imaturidade
do outro
todos apreciam as ecumênicas cinzas das Amys
todos gozam com o palavreado fervoroso de Lirinha
um especula com gentileza e maldade cristã
a gravidade e a graciosidade das sardas, das tatuagens, dos marqueteiros mamilos
a imaturidade
das outras
Chico Science embola-se na praieira do caos e da lama
um outro Chico ainda brinca com palavras de mulher
um prefere o bafo de jasmim ou de sei-lá-o-quê
das outras
ou dele mesmo

eles batucam no violão ou pandeiro bandido
na mesa de mármore surreal
alguns sambinhas
alguns rocks
algumas ladainhas
músicas do sertão, ou de New Orleans
das cordilheiras chilenas
ou das tacanhas plagas das Minas Geraes

eles não são o que vocês pensam

IV

agora ouvem chorinho, polca, blues, fado, tango
ou músicas imperceptíveis de algum país não ocidental
lêem clássicos, cordel, gibis, poemas
devoram os sábios escritores não pragmáticos
tomam absinto, tequila, saquê
recolhem a insensatez do sexo conjugal e a incineram
cheiram rosas, narizes, trompas
deixam seus sexos fluírem e federem naturalmente

carpiam os parentes distantes e indiferentes, os namorados de paus imensos,
as meninas de seios famintos, as moças e os rapazes...

eles resvalam nos antepassados dúbios, nos hierárquicos tabus dos comparsas de mesas sujas, nos clitóris que pareciam clítoris, nas camisinhas que pareciam preservativos...

V

- Vamos pra Santa Teresa?
- Vamos pra Vila?
- Vamos pra Parati?

deixam suas casas, suas alcovas
deixam seus afazeres imodestos
deixam seus analistas, seus suseranos
deixam as margueritas para trás, os bolinhos de bacalhau, os tapués com cuzcuz

e saem os três
com seu escroto chapado e benzido
com sua vagina alcoólatra e abençoada
com sua vulva trincada e benta

e o mundo repete um grito de euforia e desfaçatez


O EVANGELHO

I

tiveram mulheres salientes

tiveram homens salientes

plantaram chuchus
colheram cogumelos

plantaram-se
resguardaram-se

vermes passearam por seus incalculáveis desgostos
as fadas brindaram seus experimentais sucessos
fodam-se

as cores da bunda do mundo com seus flashbacks
os carnavais da bunda do mundo com seus pierrôs
fodam-se

algumas pessoas quaisquer
os espreitariam, ou roubariam, ou locariam
ainda mais uns sujeitos destes, sem culpas

II

ele: que lugar maravilhoso e que me dá tesão
ela: quero um gole de frescor e de tesão
ela: tenho algo para os dois

desqualificado – ainda – o pênis
assim-assim – ainda – a buceta
predestinada – ainda – a outra buceta

viram murais, mosquitos,
macondos, traças,
tempos modernos, fungos,
sorriram-se e entristeceram-se como se fossem um Yamandu,
ou um Piazzola,
um Tchaikovski

tatearam-se com seus corpos esquisitos
falaram mal do sistema, do amor, da morte, das odes,
da discrição de uma ressurreição monumental e orgástica,
falaram deles

correram a barca

os canalhas do kama sutra não imaginavam o que estava para acontecer

III

as mulheres – ativas – despem-se
o homem – inibido – mostra-se
as mulheres, empolgadas... aliviam-se
o homem, empolgado... alivia-se

são tantas as carnes
são tantos os vapores
são tantas mãos que divertem-se
são tantas bucetas entrelaçadas
são tantos dedos e pênis emaranhados

mais pessoas sentiam cócegas
nos polegares
no dorso
nas ovulações
mais pessoas e pênis e bundas se conheciam

são animais à frente de seus parceiros
imaginavam bem os ininteligíveis paladares
de seus eunucos ou concubinas
e se observavam e se crismavam e se alisavam
e todos sorriam

agarravam-se, flertavam-se, beijavam-se
até amavam-se
seguravam a parte mais próxima de um deles
e gostavam de estarem amando-se
e todos sorriam

os três

IV

o mundo estava predisposto a morrer
ao menos, desfalecer momentaneamente
num golo só
sem arbitrariedades
sem o confuso interlóquio com o Senhor
sem as rodadas de bridge

os três calcificam-se

nas corridas de cães esqueléticos na Somália
nas costas dos labradores em algum ponto mais esquecido do Himalaia
na suavidade brejeira e suicida de Estocolmo
no varejo opulento dos cartéis de Cáli ou de Medellín
nas secas seculares dos sertões de Padim Ciço e do Conselheiro
nas estratégias ridículas dos neros, napoleões, stalins, hitleres, pinochets, bushs

os três receptam-se

nas outonais primaveras de um mundo perdido
os homens delimitam suas áreas de fazer xixi
o lixo atômico incomensurável
serve de pretexto para as orgias dos calígulas
mas eles só querem o prazer lúdico
e o deleite único dos velhos caciques incas

os três lavam-se

as mãos que desabotoaram exploram
o pau que se envergonhou muito cresceu demais
as bucetas, as calcinhas, os óculos, os estrogênios
devoram-se e se crispam
as mulheres parecem o homem
o homem assemelha-se às mulheres

os três masturbam-se

V

os três aparentam cansaço
ou embolia
ou câncer, transtorno, enfisema, depressão, distúrbios cardíacos, medo
menopausa, insensatez, andropausa, infanticídio, cancro, desgosto
os três se orientam por uma bússola sem norte
e sexualizam o temor sexual dos outros

os três engolem suas línguas
chupam-se
procuram adornos, orifícios, membro, saliva, estorno, gosto, olor, cílios, pentelhos
procuram amor, esquisitices, loucura, rubores, temores, segredos, versos, carinhos
procuram a madrugada febril
percebem a madrugada elétrica
veem a madrugada descomunal
fingem pra madrugada vil
despercebem a madrugada atroz

potente – agora – o pênis
umedecida – agora – a buceta
encarnada – agora – a outra buceta

os quaquilhões do Tio Patinhas
vão-se à merda
o centavo ínfimo do mendicante
vai-se à merda
a buceta careca da prostituta porno-star
vai-se ao caralho
o pau para-sempre-duro do andróide porno-star
vai-se ao caralho

aqueles beijos indecisos
na cintura, no reto, nas sobrancelhas, na glande, no pescoço
nas calcinhas molhadas ou na cueca mijada
aqueles gozos múltiplos, infinitos
inexplicáveis, incontroláveis, diáfanos
aqueles suores nas coxas
benditos, purificados, sacros, absolvidos

desgraçado – perene – o corpo
lubrificado – perene – o sexo
inclassificável – perene – o coito


O APOCALIPSE

I

deu nó
o sexo virou brutalidade
o amor virou banalidade

a brisa malemolente
foge com angústia daquele local luxurioso
do caminho de pedras para a melancolia

as cristaleiras estilhaçaram-se
o sexo ficou virulento e puto
o amor também

as três majestades sensuais
concordam em embaçar o céu de prazeres
com seus diluídos gozos infernais

plúmbeo é o sabor de uma buceta molhadíssima
plúmbea é a chicotada daquela buceta querente
plúmbeo é o sabor de um pau envergadíssimo
imundo é o mundo de desmandos abstratos

tivemos duas mulheres ousadas e ardilosas
tivemos um homem ousado e ardiloso

II

mas que todos flertaram beligerantemente
mas que todos trocaram suas peças íntimas
mas que um deles pranteou lacrimoso no ânus de um outro deles
mas que um deles descabaçou a libido de um outro deles
mas que um deles deflorou uma região sensorial de um outro deles

mas que por todos eles eu chorei

mas que todos eles
diluíram Satanás
e Deus riu muito
e Deus, respeitosamente, gargalhou muitíssimo

num estopim deflagrado há séculos atrás
roubaram a santidade e a ignorância
de minúsculos saberes
de minúsculos prazeres

e por muito menos queriam roubar seus cantos e prantos

mas todos se fizeram animais
e padeceram

querem virar mártires
e nem sabem o porquê
ou o do quê

III

cansado – por demais – o pênis
dispersa – mas ainda ávida – a buceta
bruxuleante – mas ainda saborosa – a outra buceta

irritados ficam os algozes desta ladainha
e dizimam toda esta confraria
mas
os doutos desvairados, os tolos, os desavergonhados, os puros, os ímpios,
os coroinhas de nádegas sujas...
as madames, as sem porra nenhuma, as fidalgas, as escravas, as madonas,
as sandalinhas de lágrimas lindas...
não vão me criticar nesta louvação
quando deixo meu dízimo, minha locução, meu testemunho
meu assaz descontrole incontrolável
mas que me acho coerente e estúpido

IV

é que o povo é anormal
é underground
reza no inferno nojento
e queima as sandálias de Cristo
e fede muito

e como aquele menino
e aquelas duas meninas
desejam
ser crucificados e dilacerados
enforcados e decapitados!

e mentem

e rugem

e ardem

e incendeiam-se

e mandam todo mundo tomar no cu

mas eles livram-se do livramento

e morrem numa sarjeta indecente
com as pálpebras marejadas
o volume peniano distorcido
ou as suntuosas cabeleiras vaginais corroídas

sexta-feira, 30 de março de 2012

CRIANÇAS NO PARQUINHO

o garotinho olhou bem fundo
a garotinha ruborizou
As mães não perceberam nada
a garotinha sabia o que era piu-piu
o garotinho sabia o que era barata
Os pais não viram nada
o garotinho perguntou algo
a garotinha indagou alguma coisa
Os pais
que não viam nada
falavam alto de futebol e de mulheres
As mães
que não percebiam nada
falavam baixinho de futricas e de homens
a garotinha mostrou sua barata
o garotinho mostrou seu piu-piu
...
Os dois casais
viram algo: a garotinha sorria dengosa
perceberam alguma coisa: o garotinho sorria satisfeito
e
em uníssono
berraram:
Indecentes!!!

domingo, 25 de março de 2012

blues trash

BLUES TRASH SAFADO PARA ANA

não, eu não vou comê-la
prefiro que deflore
minha depressão mesquinha
minha dor masculina e destrutiva
meu cheiro repulsivo
inda vou estrebuchar
sob meu bucho imundo
sob meu odor cadavérico
sem haver provado seu clitóris

devore meu crânio
esqueça os poetas malditos
esqueça seu cheiro de patchouli
apenas devore meu crânio
apenas finja que percebe
meu fingimento orgástico
descubra-me do véu nigérrimo
e sujo e xexelento e abominável
com que os magos maus cobriram-me

como se eu fosse um Mefisto safado
como se eu fosse um Nosferatu safado
e é o que sou

não cubra-me com as pétalas de seu hímen
indefloráveis
não chupe-me com a florada de seus lábios
âmbares
mas com cinzas emporcalhadas
cinzas tiradas de Cérbero
dos antropófagos pigmeus
ou dos jesuítas impiedosos
não dê-me a impressão de ser linda e casta
não, eu não vou deixar que coma-me
não deixarei que lamba minha cloaca
deixe a maçã da bruxa
para alguma Eva indolente
não queime meu corpo intato
com suas chagas
para os diabos a tábua dos mandamentos
esqueça meu pênis
hermafrodita e podre

SEGUNDO BLUES TRASH SAFADO PARA ANA

não, agora eu quero comê-la
quero sentir o cheiro safado de sua buceta
em meu rosto esquisito
sorrindo e babando-se
o supra-sumo de teu prazer babando-me
como se fôssemos morcegos esqueléticos
esbarrando-se entre estalactites
ouvindo o Danúbio Azul
ou a Cavalgada das Valquírias

ou talvez, ou tão sós, sem sóis, ou tão comedidamente
animarmo-nos
ao acariciarmos os nossos sexos
e podermos vê-los sem desleixo
sem nos perturbarmos com a presença de um ogre
ou de alguns mortos-vivos, ou de garanhões ou de princesas

um de nós poderia ter a primazia de presenciar
o primeiro incesto
e então prefaciaríamos o primeiro livro de Adão
envolveríamo-nos num cordão, num condão ou numa algema de sexo impuro

e aí sorriríamos muito
e você defecaria em minha cara
e eu urinaria em sua boca
e o suor gosmento pareceria sândalo

e o amor
que não seria nosso nem dos nossos
nem dos deuses ou dos menestréis
trituraria nossos ossos

e aí saborearíamos a careta do capeta
as asas dos querubins
o esperma enfurnado nas putas
o clorofórmio das múmias

e admiraríamos com prazer
nossas coxas, nossas axilas, nossos filhos, nossas coisas
o mundo não nos perdoaria
o Céu e o Inferno sim

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PÊNIS SURREAL

– Cacete, o teu pênis é muito lindo, vizinho.
– Como?
– O teu pênis é muito lindo, vizinho.
– Mas como você entrou aqui?
– Sei como, vizinho: arrombei portas, portões. Assoviei para os cachorros. O porteiro emprestou-me sua chave mestra e não tenho que te dar satisfações. E não fique abstrato.
– Mas eu tenho nome, vizinha. Estou tomando banho. Você flutua por aí e tenta iludir meu pênis.
– O lixeiro não veio: deixei calcinhas ensanguentadas, revistas Capricho, seda, latas de azeite, de maionese, de leite condensado, um siso, possíveis poderes podres, bugigangas novas, emplastros, tosses... e lembrei-me do teu pênis lindo.
– Mas, vizinha, tenho nome e tento tomar um banho. Meu pai morreu ontem.
– De quê?
– De sossego, sortilégios, ladainhas ou sapinho, não sei.
– O teu pênis ainda está lindo, mesmo cheio de espuma desse sabonete barato, meu gostozíssimo vizinho.
– Minha vizinha folgada, ainda vou ao botequim.
– Passei na Igreja agora; algumas ovelhas te chamaram de gay, outras disseram que eu sou uma piranha enrustida. Mas na esquina rolava um samba.
– Samba de raiz?
– Parecia até rock. Vamos pra Woodstock?
– Vizinha intrometida, preciso me enxugar. Dê-me licença.
– Vamos então pra Tocantinópolis, Machu Pichu, Gramado, Estocolmo, Melbourne, Parati, Casablanca, Natal...
– Vizinha, você fala demais... é tudo muito perto.
– Escuto o olor da ereção de teu pênis lindo e gostaria de estar mais próxima. Não penso em outros homens. Temo minhas responsabilidades.
– Aí, vizinha maluca, minha cara, tô meio perdido...
– Vamos ao McDonald’s comer um enlatado em conserva e tomar um chá... e... depois ajudá-lo-ei com esta toalha estúpida que encobre teu pênis lindo.
– Vizinha, tira a mão desta toalha!...
– Vamos ler uma história mórbida, vamos pro cangaço, ver quando Psiquê e Cupido cruzam, crer nos guardiões dos infernos.
– Vizinha, tira a mão da minha pica.
– Vamos tomar um porre de ponche. Comer pizza em uma cantina careta onde eu possa mostrar-lhe por debaixo da mesa minha buceta delineada, desenhada e estupenda? É que alguém me disse que você é um punheteiro e me deu um real para te sacanear. Será que você vale isso, vizinho?
– Vizinha, além de eu ainda estar nu e já te ter dito que tenho nome, vou te dizer que não valho nada. Mas pra que você me mostraria esta alvissareira buceta?
– É que alguém disse que sou bonita, mas que não presto, que sou relapsa, vagabunda, estéril, fofoqueira, intrínseca, matuta, imatura e sexy. Detalhe: posso ser tudo isso mas não tenho um pênis tão lindo quanto o teu.
– Não entendi muito bem, mas...
– Vem cá, vamos trepar com as várias mulheres do Chico?
– E a Marieta?
– Vamos gozar e amar e viver com a Anais?
– E o Henry?
– Importantíssimo vizinho de lindo pênis que pede para levantar-se, poderíamos desfrutar de um filme erótico qualquer e esquecer que existimos?
– E a Cicciolina?
– Vizinho, vamos ao Engenhão ver um jogo qualquer e, logo depois, a uma parada gay; vamos suar em um spa cheio de perobões...
– Não gosto de viados, sem ser o meu pai.
– E em um clube de luta livre ou de boliche? Sem o seu pai, com este teu pênis lindo e que ainda está meio úmido – deixa eu ver! – faríamos o maior sucesso.
– Vizinha, não me iniba, pois tenho família que não conheço para sustentar.
– Vamos, então, a algum camelódromo, à Vila Mimosa, àquele museu lá de Niterói, aos Arcos, ao Amarelinho, ao chão da praia...
– Vizinha, minhas moedas, minha disposição, meu Niemeyer, meu Fortuna, meu alcoolismo e minhas fobias aquosas estão incontroláveis, mas...
– Excepcionalíssimo vizinho, temos em comum o incomum: teu pênis é lindo, estou podre de tesão; você deixou de ler, eu já decorei o kama sutra; não vou mais a pubs babacas e você continua atormentado com os fantasmas dos bêbados que conheceu; bebo chá de cogumelos à noite e você somente chapa sozinho enquanto seu lindo pênis dorme; estou apavorante, você inútil; e não perdemos tudo que ainda temos a perder.
– Esculachadíssima vizinha, vamos que meu pênis lindo conseguiu uma pseudo ereção.
Dona Georgina chega, atrapalha aquele atrapalhado conluio sexual e explode: “Solte já este pênis lindo!”
Os donos de um estado abominável transam sem culpas e cheios de indecências e estão em transe. Aí, o pênis lindo desfalece e murmura:
- Ploft!

BUNDA SURREAL

– Pô, a tua bunda é muito linda, vizinha.

– Como?

– A tua bunda é muito linda, vizinha.

– Mas como?

– Não sei como, vizinha, mas ela deixa-me abstrato.

– Eu tenho nome, vizinho.

– O lixeiro passou agora: levou um monte de garrafas pet, alguns acontecimentos, uma porrada de lixo orgânico, mais um monte de vidros estilhaçados, poderes podres, papéis, escaninhos, escarros, constipações... e a tua bunda linda ainda ficou aí.

– Mas, vizinho, eu tenho nome. A minha mãe não tá muito legal.

– O que é que ela tem?

– Um AVC, um ECG, um DNA, não sei.

– A tua bunda continua linda, minha queridíssima vizinha.

– Meu vizinho, ainda vou à Igreja.

– Fui lá na esquina agora; tocavam um som...

– Forró?

– Parece que era.

– Forró é bonito, mas só se for o de pé de serra.

– Vamos para o interior?

– De onde, vizinho?

– Tiradentes, Caruaru, Amsterdã, Katmandu, Luanda, Havana, Corumbá, Xapuri...

– Para, vizinho! Mas é longe...

– Ouço o odor de tua bunda linda todos os dias e não acho longe. Duvido de minha masculinidade. As minhas responsabilidades foram-se.

– Aí, cara, vizinho, tô meio perdida...

– Vamos comer um pastel de palmito e tomar um caldo de cana... e... depois observarei a tua bunda linda.

– Vizinho!...

– Vamos ler uns livros, corromper o Universo, apaixonarmo-nos por Narciso e crer nos guardiões do céu.

– Vizinho!...

– Vamos tomar um gole de cachaça. Comer um ovo cozido pintado, redesenhado e redistribuído? É que alguém me pediu para comprar um pato e me deu um real. Será que dá, vizinha?

– Vizinho, além de eu já ter dito que tenho nome, vou te dizer que não sei. Mas pra que o pato?

– É que alguém já tem uma pata; agora, quer um pato. Detalhe: a pata não tem uma bunda tão linda quanto a tua.

– Ah, entendi.

– Mas, vem cá, vamos ao zoológico dar pipocas aos macacos?

– E o Raul?

– Podemos, então, acordarmos metamorfoseados?

– E o Franz?

– Querida vizinha de linda bunda, poderíamos, ao menos, sair dando porrada em adolescentes, estuprarmos algumas burguesas ou ficarmos apenas doidões?

– E o Stanley?

– Vizinha, vamos ao Maracanã ver um Fla-Flu, um Ba-Vi, um Gre-nal, um Atle-tiba, um San-São.

– Não gosto de futebol.

– E um Mogi-Mirim e Matsubara? Com a tua bunda linda, faríamos o maior sucesso.

– Vizinho, não teima, pois o meu dengo é muito relativo.

– Vamos, então, ao Observatório, ao Municipal, ao Bola Sete, ao Bola Preta, ao Sambódromo, ao Circo Voador...

– Vizinho, minha ciência, minhas artes, meu corpo, meus confetes, meu abre-alas e meu nariz estão indômitos, mas...

– Amabilíssima vizinha, temos alguma coisa em comum: tua bunda é linda, meu corpo é um estorvo; você gosta de poemas épicos, eu de Modesty Blaise; encontramo-nos quase sempre no mesmo pub, mas eu para beber e você para sacanear as almas psicografadas dos bêbados itinerantes; bebo vinho à noite e você somente toma um chá quando tua linda bunda permite; estou pavoroso, você deprimida; e temos tudo a perder se consolidarmos nossos mais escrotos instintos.

– Vulgaríssimo vizinho, vamos que minha bunda linda já esperneia.

Seu Paulinho chega, interrompe aquele coito, arrefece aqueles ânimos e apedreja: “Saia já desta bunda linda!”

O dono do estado pavoroso e a dona da imensa depressão estão em transe. Aí, a bunda linda reage:

- Pum!

DUAS MOÇAS

sob o sol

em Itacuruçá

ou em Ibicuí

duas moças

procuram tatuís

“eles não estão aqui.

vamos achá-los atrás das moitas.”

correm

como cavaleiras selvagens

como dionisíacas hipólitas

as suas tanguinhas inibidas

sentem o cheiro bom do mar

a maresia carente

esgueiram-se

em meio a tufos de mata virgem

entre salinas salientes

agora dão-se as mãos cálidas

“cadê os bichinhos?

vamos mais além.”

arrebenta-se o mar

nas pedras cristalinas

a vaga às vezes saboreia os pés

das duas moças

fogem da selvageria litorânea

continuam calmas e se tocam

“você tocou nos meus seios...

só quis ajeitar sua alça.”

as duas moças

que estão decepcionadas com o mundo

reconhecem suas purezas

instigam suas intimidades

os jatos de areia amaciam suas pernas

o sol as banha

sentadas

hipnotizadas

“o mar está estupendo...

você também.

vamos nadar?

nuas.

nuas?

eu tiro as suas roupas.

e eu?

as minhas.

você me alisou?

alisei.

você me roçou?

rocei.

você demorou muito

com essas mãos em meu biquíni.

demorei

e foi bom.

você me beijou.

foi muito bom.

e você?

o que é que tem?

ainda está vestida e...

e...

e o mar está estupendo.

me dispa.

não tem ninguém olhando?

você já está nua.

você me beijou de novo.

e você estremeceu.

posso te alisar?

alise.

posso te roçar?

roce.

minhas mãos demoram-se

em tirar o seu biquíni.

demore-se mais

que vai ser bom.

vou beijá-la.

vai ser muito bom.”

duas moças

reinventam o paraíso

a serpente sai correndo desesperada

Adão retira a última folha de parreira

de Eva

Caim desiste de matar

Abel

Deus descansa enfim